Vintage Trouble – The Bomb Shelter Sessions

Não faz muito tempo e me encontrei em uma calorosa discussão sobre a diferença entre o termo “vintage” e seu aparente sinônimo “retrô”. Uso a palavra aparente porque, ao contrário de meu adversário de debate, não considero os dois iguais em significado. Enquanto o segundo sugere algo antigo que está sendo relançado no presente, o primeiro nos remete a um produto original que bebe da mesma fonte que outros sucessos do passado. Por isso um possui uma conotação pejorativa, que levanta um sentimento de anacronismo, enquanto o outro é rapidamente associado a um estilo de vida pessoal.

Tendo isso em mente, ninguém no mundo da música utiliza o termo com tanta propriedade do que essa recém formada banda californiana. Ao ouvir a primeira faixa do álbum de estréia de Vintage Trouble, a sensacional Blues Hand me Down, é praticamente impossível não identificar as influências de bandas imortais dos anos 70 como Led Zeppelin e de ícones do soul americano como James Brown. Mas Vintage Trouble vai além de simplesmente emular um estilo cultuado do passado. Eles modernizam o mesmo, transformando o soul e o funk em um gênero revigorado, pronto para o universo pop atual.

Muitos jovens de hoje desconhecem a força e a influência que o movimento soul teve sobre a música contemporânea. E sim, eu sei o quanto essa frase me faz soar velho, ou, na falta de uma palavra melhor, “retrô”. Nomes como Otis Redding e Sam Cooke, que brindaram o mundo com melodias inesquecíveis e que permanecem relevantes e atuais até os dias de hoje. E, a cada nova faixa, o espírito desses nomes se fazem presentes e acenam sua cabeça em um claro sinal de aprovação incondicional.

Para a nossa infelicidade, The Bomb Shelter Sessions ainda não está disponível para o público brasileiro. Quem quiser conferir o trabalho desse novo grupo, vai precisar fazer um garimpo na internet. Mas para aqueles que não temem o trabalho duro, a recompensa é gratificante. Abaixo, fiquem com a já mencionada Blues Hand me Down.

Dry the River – Shallow Bed

Quando, em 2011, um desconhecido quinteto londrino lançou um EP intitulado Weights and Measures, muitos críticos olharam para essa nova banda com grande expectativa. Outros já se posicionavam com uma leve dose de ceticismo, achando que o grupo só se tornaria uma realidade com o lançamento de seu primeiro álbum. Desde então, Dry the River protagonizou uma performance digna de rasgados elogios no festival SXSW e agora se prepara para lançar o antecipado CD de estreia, Shallow Bed. Se o talento do quinteto será reconhecido pelo grande público, só o tempo irá dizer. Mas, entre os especialistas do ramo, o trabalho está galgando seu espaço e já figura como uma das grandes promessas para a lista de melhores do ano.

O som de Dry the River definitivamente não é para qualquer gosto. O folk sofrido e relutante que parece surgir dos cantos mais sombrios da alma do vocalista norueguês Peter Liddle não é o tipo de música para se animar festas adolescentes ou para escutar durante uma viagem de carro. Pelo menos não se você pretende evitar que as lágrimas encubram sua visão da estrada a sua frente. Essa é uma obra para se contemplar no silêncio de sua casa, longe dos objetos cortantes, onde a melancolia assume, de forma impiedosa, o controle de sua vida.

As letras, repletas de imagens religiosas, revela um artista que abandonou a fé mas que ainda lida com o conflito com sentimentos como a culpa e a dúvida, tentando encontrar algum sentido em um mundo tão confuso e desconcertante. O resultado é um disco sensível, honesto e hipnotizante, que nos brinda com pequenas preciosidades como a bela New Ceremony, a pungente Weights and Measures e a delicada Shield Your Eyes.

Em um dado momento de Weights and Measures, Liddle lamenta “I was prepared to love you, and never expect anything of you”. Talvez esse seja o segredo para se desfrutar Dry the River. Entrar de coração aberto, preparados para amá-los mas, ainda mais importante, sem nenhuma grande expectativa. Essa experiência pode se revelar uma agradável surpresa para aqueles que não têm medo de enfrentar seus demônios internos.

Abaixo, fiquem com New Ceremony.

Of Monsters and Men – My Head is an Animal

O que um grupo proveniente da Islândia pode oferecer ao universo fonográfico alternativo? Esperava-se qualquer coisa desse enigma, menos o que se escuta em My Head is an Animal, álbum de estréia dessa banda que ainda vai dar muito o que falar. É difícil acreditar que, de um lugar tão gelado e remoto, poderia surgir músicos tão calorosos, divertidos e com uma facilidade singular para elaborar melodias deliciosas.

Nascida em 2009 graças aos esforços da vocalista Nanna Bryndís Hilmarsdóttir e seu parceiro Ragnar Þorhallsson – que, por motivos óbvios, ganham os nomes de Nanna e Raggi no resto dessa crítica – a banda ganhou um concorrido festival musical de seu país, conhecido como Músíktilraunir (não me peçam para pronunciá-lo). Daí para a assinatura com uma gravadora local não demorou muito.

O resultado dessa união foi o difundido single Little Talks, que em pouco tempo ganhou os ouvidos de milhares de pessoas quando tocou em uma rádio local de Filadélfia. A resposta foi tão positiva que My Head is an Animal, que já fora lançado na Islândia em setembro do ano passado, ganhou distribuição mundial e estréia hoje no mercado internacional.

Tanto sucesso não é despropositado. Of Monsters and Men representa tudo o que o mercado independente tem de melhor para oferecer para o grande público. A começar pelo já mencionado Little Talks, uma canção repleta de elementos pops, como gritinhos de “hey”, palminhas e deliciosos metais. Dirty Paws, música que abre o álbum, começa de forma lenta, com um solitário violão, mas logo ganha dimensão até alcançar proporções épicas em seu refrão instrumental.

A forma coesa como a voz de Nanna e Raggi se complementam fica evidente em músicas como a divertida King and Lionheart, uma clara referência do folk rock praticado pelo Mumford and Sons, e a sentimental Slow and Steady. Mas as pérolas não param por aí. É uma árdua tarefa encontrar alguma faixa de qualidade questionável em My Head is an Animal. Durante as treze canções que compõem esse excelente álbum, o que se ouve é consistência pura.

Costuma-se dizer que uma banda é tão boa quanto seu trabalho de estreia. É nele que ela revela toda a sua alma, sem influências externas ou exigências de um mercado canibalístico. Se um grupo não consegue se destacar em seu primeiro lançamento, dificilmente o fará nas obras seguintes. Sob esse aspecto, Of Monsters and Men não tem o que temer. Além de demonstrar um talento invejável, revela uma alma pura que tem muito a oferecer aos sedentos pela boa música.

Abaixo, fiquem com o single Little Talks.

The Shins – Port of Morrow

The Shins vai mudar a sua vida. Pelo menos foi o que Natalie Portman nos prometeu no filme Garden State (que no Brasil recebeu a horrorosa tradução Hora de Voltar), meu primeiro contato com essa banda americana que durante anos representou o que a música independente tinha de melhor para oferecer. E se o som escutado não era necessariamente o tipo de música que altera radicalmente a vida de uma pessoa, existia algo de diferente, de original em suas melodias que sugeriam uma honestidade difícil de se encontrar na indústria fonográfica atual. Mesmo assim, o grupo lutava para romper a espessa barreira que divide o indie do pop.

Somente em 2007, com Wincing the Night Away, The Shins começou a demonstrar que tinha a habilidade de elaborar músicas capazes de capturar a atenção de um mercado mais abrangente. Cinco anos depois, eles chegam com Port of Morrow, o trabalho mais pop da relativamente pequena discografia da banda. Se isso vai ser o suficiente para fazer com que o grupo receba o reconhecimento que merece, só o futuro vai dizer. Mas fica claro logo na música de abertura, The Rifle’s Spiral, que estamos diante de um The Shins diferente.

Repleta de inserções eletrônicas, guitarras dissonantes e vozes distorcidas, nem parece que estamos diante de uma canção da mesma banda que embalou o mercado independente americano durante a década passada. Esse é um grupo novo (literalmente, pois alguns integrantes foram subsituídos). Um grupo determinado a sair das sombras que sobrevoaram sua carreira até então.

E para alcançar seu objetivo, The Shins não poupa esforços. Eles investem em baladas emotivas como It’s Only Life, palminhas contagiantes em No Way Down e refrões de fácil absorção, como Bait and Switch e o ótimo Simple Song. Esta última é uma canção apoteótica, que cresce gradativamente até atingir seu refrão viciante e que poderia facilmente figurar no playlist de qualquer rádio popular do mundo. Existe até mesmo espaço para uma surpresa na excelente faixa título, uma canção deliciosamente inesperada que está entre as minhas favoritas do álbum.

Concordo que Natalie Portman exagerou um pouco quando fez sua promessa. Mas se The Shins não tem a capacidade de mudar a vida de ninguém, ele pode, pelo menos, transformá-la em algo mais suportável.

Fiquem com Simple Song, primeiro single de Port of Morrow.

Bruce Springsteen – Wrecking Ball


Existem dois artistas chamados Bruce Springsteen. O primeiro é o astro pop que alcançou o estrelato com o rock engajado de grandes sucessos como Born in the USA. O segundo é uma alma perturbada, capaz de criar obras sombrias como Devils & Dust e The Ghost of Tom Joad. Devo confessar que tenho uma leve queda pelo segundo, melancólico que sou. Mas isso não significa que esse seu lado mais popular não possua seus encantos. Wrecking Ball, novo trabalho desse incansável roqueiro, é uma prova do talento de Springsteen para elaborar melodias envolventes e letras significativas.

O foco de sua ira, como não poderia deixar de ser, é a atual situação econômica que assola seu país, deixando vários à beira da miséria. E ele não faz questão de ocultar sua mensagem nas entrelinhas com frases de duplo sentindo ou analogias obscuras. Logo no título de cada canção, ele deixa claro quais são os alvos de sua revolta. We Take Care of Our Own, Easy Money, This Depression não são exatamente exemplos de sutileza. Já Death to my Hometown é uma nítida brincadeira com a saudosista My Hometown, do álbum Born in the USA. Só que a nostalgia dá lugar ao desespero ao perceber a decadência de algo que um dia marcou sua memória.

Springsteen sempre teve um relacionamento conturbado com a fama, pois tinha medo que o dinheiro que ganhasse compondo músicas sobre a classe média americana fosse distanciá-lo daqueles que supostamente estaria defendendo. Talvez por isso tenha sido tão enfático e direto em Wrecking Ball. No auge de seus 62 anos de idade, ele queria mostrar que, por mais dinheiro que tenha, ainda não perdeu seu olhar ácido para as injustiças da sociedade americana. E, com isso, mantém com orgulho o título de Boss.

Abaixo, fiquem com o primeiro single do álbum: We Take Care of Our Own.